sexta-feira, 12 de julho de 2013

Cooperativismo

Cooperativismo: receita para recuperar empresas falidas

As cooperativas, de um modo geral, surgem da organização espontânea de pessoas de uma atividade econômica que buscam resultados sociais e econômicos pela conjunção de esforços. Essas pessoas, usualmente, têm em comum a profissão e o sonho de, pela organização econômica, amenizar os problemas sociais.
 
Por isso, há casos em que a criação de uma cooperativa objetiva salvar um empresa em situação crítica. Nesse caso, as pessoas que se unem têm em comum a necessidade de manterem sua fonte de renda.
 
No Brasil e em todo o mundo, são muitos os casos – nem todos de sucesso – de tentativa de recuperação de uma empresa pela criação de uma cooperativa formada pelos funcionários que passam a administrar a massa falida, recuperando a empresa e a marca.
 
Entre as cooperativas de trabalhadores que recuperaram empresas, algumas se sobressaem, como Copromem, Metalcoop e Uniforja.
 
O assunto merece atenção de acadêmicos, que se debruçam sobre o fenômeno, analisando-o. Em âmbito latino-americano, em 2002, foi criado na Argentina o Facultad Abierta, programa de extensão universitária capaz de ampliar a relação entre a Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires e as organizações populares, que têm como foco empresas recuperadas por seus trabalhadores. Sua meta é desenvolver uma prática que combina o compromisso social e político com o apoio interdisciplinar de atividades de pesquisa, levando conhecimentos que fortaleçam os trabalhadores em sua lide diária. Esse programa reúne empresas recuperadas por autogestão dos colaboradores da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Além disso, desde 2007 e a cada dois anos, realiza um congresso anual, no qual são debatidos temas comuns, focados na economia dos trabalhadores.
 
No âmbito acadêmico brasileiro, dois professores podem ser considerados referências sobre o tema. Maria Cecília Camargo Pereira – professora do curso de Direito na Universidade Nove de Julho (Uninove), graduada em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – trabalhou com o tema em 2011, em sua tese de doutorado, intitulada “Relações Complexas: sindicalismo e autogestão em debate”.
 
Antes dela, em 2006, João Amato Neto – engenheiro, professor titular e chefe do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP) e vice-coordenador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade de São Paulo (ITCP-USP), da qual foi um dos fundadores em 1998; pós-doutor em Economia e Administração pela Università Ca’ Foscari di Venezia (Itália); professor e pesquisador visitante do Politecnico di Milano (Itália) e da Universidade de Aachen (Alemanha) – elaborou artigo publicado na Revista Eletrônica Sistemas & Gestão do Programa de Pós-graduação em Sistemas de Gestão, TEP/TCE/CTC/PROPP/UFF, em que enfoca os “Complexos cooperativos e desenvolvimento local: um estudo de casos brasileiros”. Ao longo dos anos, tem coordenado e orientado várias pesquisas sobre cooperativismo e redes de cooperação produtiva, especialmente, no núcleo de pesquisa em Redes de Cooperação e Gestão do Conhecimento (Redecoop), na Poli-USP, onde são desenvolvidas pesquisas sobre cooperativas em diversos setores: metalúrgico, têxtil, construção civil, reciclagem, maricultura/ pesca, alimentação (restaurantes), artesanato, agricultura e agroindústria.
 
AS DIFICULDADES E O SUCESSO 
 
O processo de reabertura das fábricas falidas em cooperativas, na visão de Maria Cecília Pereira, foi resultado da “luta dos trabalhadores que, por meio da gestão coletiva dos meios de produção, decidem lutar para manter seus postos de trabalho. No caso dos empreendimentos que analisei, as dificuldades de obtenção de crédito, aliadas à baixa formação educacional dos cooperados e à falta de políticas públicas de apoio e fomento a esses grupos, foram fatores que dificultaram inicialmente o processo de reabertura da fábrica e a continuidade da produção”.
 
As dificuldades, ao mesmo tempo em que impedem o insucesso de muitos desses empreendimentos, deixam patente o risco daqueles que se atiram à empreitada: não conseguir a recuperação da empresa, ou, como explica Pereira, “não tornar realidade o desejo da manutenção dos postos de trabalho e da obtenção de renda”.
 
O professor Amato, da Poli-USP, agrega riscos ambientais – “do cenário competitivo, como concorrentes potenciais, clientes em potencial etc.” – e financeiros a riscos advindos “da falta de informação dos agentes”. Como exemplo cita “o momento em que os cooperados vão assinar um contrato”. Lembra, ainda, “a importância dos acordos cooperativos e dos contratos relacionais, cooperativos e tendencialmente de longo prazo com empresas, por exemplo, que podem ajudar na estruturação de uma cooperativa que suscite interesse em ser contratada como fornecedora. É preciso ainda estabelecer mecanismos realmente participativos de gestão para garantir o comprometimento efetivo dos cooperados, pois a infidelidade destes é outro risco para a cooperativa”.
 
Em contrapartida, o êxito resulta do esforço e do comprometimento que estes trabalhadores passam a ter com a empresa, ressalta Cecília Pereira. “Em muitos casos eles passam por períodos de imensa penúria de modo a recolocar as empresas no eixo e deixá-las eficiente. O fato de se sentirem responsáveis coletivamente pela cooperativa é o grande fator que possibilita este processo”, informa.
 
Se em alguns casos a cooperativa consegue se viabilizar e crescer como fornecedora de uma empresa; em outros, narra João Amato Neto “a cooperativa cresce conforme passa a dominar mais etapas de sua cadeia produtiva (não só o processamento da matéria-prima, mas também a embalagem, o marketing, a comercialização). Nesse sentido, vale destacar em muitas situações a importância dos agentes atravessadores nos elos localizados à jusante (na distribuição e comercialização dos produtos) de várias das cadeias produtivas. São agentes que atuam mais nas atividades de armazenagem e de comercialização e logística de distribuição dos produtos. São agentes de comercialização, que, dentro dos diferentes contextos, acabam por viabilizar as vendas dos produtores, que, na grande maioria dos casos, não encontram alternativas para a comercialização da sua produção”.
 
Além da viabilização financeira e da formação da infraestrutura, Amato considera dois outros pontos como fundamentais: buscar parceiros do negócio, formando uma rede de cooperação com potenciais clientes, fornecedores, associações de bairro, igrejas, centros comunitários; e organizar aspectos básicos de gestão, desenvolvendo fluxogramas do processo produtivo, buscando melhorar a eficiência e sustentabilidade da produção com novos conhecimentos – trazidas pelos próprios cooperados, a partir de sua experiência anterior, mas também obtidos dentro dessa rede de contatos que se vai formando.
 
APOIO NA TRANSIÇÃO
 
Há organismos que podem auxiliar nessa transição e nos primeiros tempos da nova gestão, como entidades e sindicatos que apoiem e atuem em conjunto com os trabalhadores cujo objetivo seja fomentar a prática da autogestão e a autonomia dos empreendimentos.
 
Ao falar sobre o papel dos sindicatos, Pereira lembra a importância da relação com essas instituições “não só para as fábricas recuperadas (na medida em que o sindicato pode representar um forte apoio para o empreendimento), mas para o próprio sindicato que, ao desenvolver uma política específica para esses experimentos, mantém o contato com trabalhadores de sua base que, sem isso, necessariamente se afastariam da entidade. Apesar disso, os estudos sobre essa relação são extremamente escassos na literatura internacional em geral e na brasileira em particular”.
 
Complementando essa posição de Pereira, o professor da Poli-USP coloca a inserção em rede de cooperação como estratégica, explicando que isso acontece via “apoio dos órgãos públicos (prefeituras, governos estaduais, eventuais linhas de financiamento disponibilizadas pelos bancos públicos), dos sindicatos e da comunidade local como um todo, sensibilizando-a para as possibilidades de desenvolvimento humano que a condução de um negócio autogestionário pode gerar”. Realça, ainda, a presença das universidades públicas, que, a seu ver, “têm crescentemente dado atenção aos temas do cooperativismo, do desenvolvimento local e das tecnologias sociais, criando incubadoras de empresas, promovendo cursos e seminários e apoiando com know-how, enfim, a instalação de novas cooperativas”.
 
A união dessas cooperativas formadas por ex-funcionários também responde pela criação da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Unisol), instituição associativa sediada em São Bernardo do Campo (SP), sem fins econômicos e de âmbito nacional, cuja missão é organizar, representar e articular, de forma ampla e transparente, as cooperativas, associações e outros empreendimentos autogestionários da economia solidária, resgatando e promovendo a intercooperação, a igualdade social e econômica, a dignidade humana e o desenvolvimento sustentável.
 
Gilson de Jesus Gonçalves, secretário geral da Unisol Brasil, recorda que a instituição, que representa apenas empreendimentos autogestionários é “um no marco da economia solidária”. Fundada em 2000, atendia apenas São Paulo, mas conquistou reconhecimento nacional quatro anos depois.
 
Além da representação contínua dos empreendimentos nas diversas esferas de poder, são realizadas uma série de ações dentre as quais destacam-se: a administração de projetos voltados à Economia Solidária, criação de fundos de apoio e investimentos aos empreendimentos, apoiar relações nacionais e internacionais entre instituições e empreendimentos e criação de marca com produtos sustentáveis – Ecouni, informa Gonçalves.
 
Ao falar sobre o papel da Unisol na orientação de grupos de trabalhadores interessados em constituir uma cooperativa de trabalhadores para viabilizar um novo negócio a partir da empresa em crise, o secretário geral da instituição ressalta que os procedimentos variam e vão “desde uma investigação sobre as condições da empresa em crise, incluindo medidas judiciais, constituição do grupo para formação da cooperativa, até o assessoramento para viabilização do novo negócio”. E reivindica: “Há necessidade de entidades como o BNDES e FINEP criarem linhas de financiamento e crédito, facilitando o acesso aos mesmos”.
 
Atualmente são mais de 750 empreendimentos solidários e autogestionários filiados e distribuídos em todo o País, com atuação em 11 setoriais: Agricultura Familiar; Confecção e Têxtil; Artesanato; Construção Civil e Cooperativas Habitacionais; Reciclagem; Metalurgia e Polímeros; Fruticultura; Apicultura; Alimentação, Turismo; e Cooperativas Sociais.
 
Na área metalmecânica e metalúrgica, ao todo, são 25 cooperativas assumidas pelos funcionários, distribuídas em seis Estados nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul.
 
CAPACITAÇÃO: UM GARGALO IMPORTANTE
 
A necessidade de formação técnica dos trabalhadores que assumem a empresa é salientada pelos acadêmicos, pois, segundo eles, a autogestão implica algumas peculiaridades.
 
“É preciso engajar fortemente os cooperados na busca de novos conhecimentos e capacitações”, recomenda Amato, citando como especialmente relevantes não apenas capacitações nas áreas da gestão financeira e econômica do negócio, como também “os conhecimentos atualizados sobre processos produtivos mais eficientes (incluindo os requisitos de qualidade e sustentabilidade, fatores-chave para a competitividade do negócio), bem como as funções de marketing, de criação de uma marca forte, que conte com o apoio da comunidade e passe a ganhar viabilidade junto a potenciais compradores, estabelecendo-se como referência positiva tanto para o mercado consumidor quanto para os potenciais concorrentes que venham a surgir, buscando desfrutar também do sucesso obtido em determinado nicho do mercado”.
 
A professora da Univove lembra outro aspecto também importante com relação à formação, que mereceu destaque em sua pesquisa de campo para o doutorado. As fábricas recuperadas, garante Maria Cecília Pereira, surgiram em um momento em que o mercado de trabalho atravessava período de crise, em que o desemprego estava em vias de se tornar realidade para esses trabalhadores.
 
Nesse cenário, algumas outras dificuldades se apresentaram, relacionadas principalmente à experiência profissional daqueles que ficaram nas cooperativas. Na maioria dos casos estudados pela professora da Uninove, “os cooperados que permaneceram no empreendimento foram os mais velhos, próximos da aposentadoria e que tinham direitos trabalhistas devidos pela antiga empresa. Os trabalhadores que permanecem no empreendimento são aqueles que possuem poucas qualificações, já que os profissionais formados saem da fábrica no momento do seu fechamento”.
 
Para esses profissionais, frisa Maria Cecília Pereira, as possibilidades de reinserção no mercado de trabalho eram escassas. Por isso, “a recuperação das empresas foi importante para esses trabalhadores que, de fato, puderam manter seus empregos e gerar renda e aponta para a ideia de luta dos trabalhadores para garantir uma sobrevivência digna. A vivência da recuperação vem, portanto, para esses trabalhadores, imbricada com o sentimento de resistência às condições que se lhes apresentavam. É na resistência ao desemprego que se avizinha que as experiências de recuperação se iniciam”, resume ao falar sobre as cooperativas que serviram de base à sua tese de doutorado.
 

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