Intervenção no câmbio também deve ser foco de BCs
O Brasil e o resto da América Latina deveriam complementar os seus
regimes de metas de inflação com políticas explícitas de intervenção no
câmbio. Mas não devem cair na tentação de fazer do crescimento econômico
um dos mandatos dos bancos centrais. A recomendação é do Comitê Latino
Americano de Assuntos Financeiros, um grupo de economistas independentes
da região.
Em declaração divulgada ontem, ao fim de uma reunião em Washington,
eles trataram do dilema enfrentado em vários países da região: como
manter a credibilidade num momento em que os bancos centrais são
pressionados a agir em outras frentes além do controle da inflação.
"Intervenções no câmbio não representam nenhuma contradição com o regime
de metas de inflação", afirma o ex-vice-ministro de finanças da
Argentina, Pablo Guidotti, que integra o comitê.
A recente crise financeira colocou em xeque a visão de que o melhor
que os BCs podem fazer pela prosperidade econômica é perseguir um único
objetivo, inflação baixa e estável, com um único instrumento, a taxa de
juros. Estados Unidos e Europa tinham inflação baixa, mas isso não
impediu a crise.
Hoje, os bancos centrais são chamados a perseguir objetivos como
estabilidade financeira, crescimento econômico próximo ao potencial e
menor volatilidade cambial. Também usam vários instrumentos, como
intervenções no câmbio e regulação financeira. Mas ficou mais difícil
saber qual é a real prioridade dos bancos centrais.
"Os bancos centrais podem ter ganhos de credibilidade se assumirem
explicitamente suas intervenções no mercado de câmbio", aposta Guidotti.
Para ele, isso significa reconhecer explicitamente o uso de um
instrumento, as intervenções no mercado de câmbio, para atingir um
objetivo a mais, a redução da volatilidade da cotação do dólar. Mas,
frisa ele, os bancos centrais não devem ter uma meta para a cotação do
dólar.
No Brasil, o BC intensificou as suas intervenções no câmbio,
contribuindo para a desvalorização do real - o que levou alguns
analistas econômicos a especular se a autoridade monetária não teria
deixado a inflação um pouco em segundo plano. Um outro integrante do
comitê, o economista brasileiro Pedro de Carvalho Mello, coordenador
internacional da FGV Management, afirma que o Brasil não tem meta para o
dólar, mas o padrão de intervenções sempre levanta dúvidas entre os
analistas econômicos. "Se você compra dólar quando o câmbio cai a um
certo valor e vende quando sobe, surge a questão se há uma banda."
O comitê também recomenda que os países se abstenham de ter um
mandato explícito de crescimento. No mundo, há duas tradições. Num lado,
o Federal Reserve (banco central dos EUA) tem dois mandatos principais,
inflação e pleno emprego. De outro, no Banco Central Europeu (BCE), o
único mandato é a inflação baixa.
Na América Latina, incluindo o Brasil, a prática mais comum é os
bancos centrais terem mandato explícito apenas para inflação, ainda que a
baixa volatilidade do crescimento econômico seja sempre um componente
implícito nas decisões sobre juros. O comitê acha que não seria prudente
adotar mandatos para crescimento econômico. "Isso poderia ser perigoso e
reintroduzir um viés inflacionário", afirma o documento divulgado pelo
grupo de economistas. "Essa declaração tem em mente sobretudo o Brasil",
afirma a economista mexicana Liliana Rojas-Suarez, ex-funcionária do
Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente pesquisadora do Center
of Global Development, um centro de estudos de Washington. O BC
brasileiro nunca indicou ter uma meta de crescimento. Outras áreas do
governo, como o Ministério da Fazenda, tem enfatizado o desejo de
garantir níveis mínimos de expansão do PIB.