O RESGATE DO COOPERATIVISMO DE
TRABALHO
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO
Ministro do Tribunal Superior do Trabalho
Ministro do Tribunal Superior do Trabalho
Não é sem tempo que foi aprovado pelo Congresso Nacional o projeto de lei (PL 4622/04) que regulamenta as cooperativas de trabalho em nosso país.
A Constituição da República prevê expressamente que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, deverá apoiar e estimular o cooperativismo (CF, art. 174, § 2º).
Os
únicos marcos normativos nacionais, até o momento, que balizavam as cooperativas
de trabalho, eram a genérica Lei 5.764/71, sobre o cooperativismo e suas
modalidades, e o art. 442, parágrafo único, da CLT, que afastava o vínculo
empregatício entre os trabalhadores cooperados e as cooperativas ou tomadoras de
seus serviços.
Tais marcos eram notoriamente insuficientes para regular o
fenômeno, tanto que houve notório desvirtuamento da modalidade associativa,
gerando as falsas cooperativas de trabalho, cujo intuito era exclusivamente
burlar a legislação trabalhista, reduzindo custos de contratação de mão de obra
pelas empresas.
Quando participamos da 90ª Conferência Internacional do Trabalho em
Genebra, no ano de 2002, denunciamos essa prática desvirtuadora do instituto,
conseguindo que fosse inserido na Recomendação 193 da OIT dispositivo específico
recomendando o combate às falsas cooperativas, que não garantiam aos
trabalhadores todos os direitos constitucionalmente assegurados (item
8.1.b).
Se,
por um lado, nessa Conferência, se alertou para o problema que ocorria em países
em desenvolvimento com as falsas cooperativas de trabalho, essa modalidade
organizativa foi amplamente prestigiada com a referida recomendação, como forma
de estímulo à empregabilidade e à autogestão empreendedora dos trabalhadores.
Tanto que num de seus dispositivos a Recomendação estabelece que não se pode dar
às cooperativas de trabalho condições menos favoráveis do que às empresas que se
dediquem ao mesmo ramo produtivo ou de serviços (item 7.2).
Por
isso chamou a atenção a exigência, pelo Ministério Público do Trabalho, de que a
União firmasse termo de ajuste de conduta, alijando das licitações públicas as
cooperativas de trabalho, numa atitude preconceituosa e generalizadora quanto às
irregularidades de algumas cooperativas, condenando o próprio instituto, ao
arrepio da Constituição, da lei e das normas internacionais de estímulo ao
cooperativismo laboral.
O
ponto nodal do desvirtuamento das cooperativas de trabalho era o de não haver
norma legal específica garantindo aos trabalhadores cooperados os mesmos
direitos garantidos constitucionalmente a todos os trabalhadores brasileiros
pelo art. 7º da Constituição Federal. A essência do PL 4622/04, que ataca a raiz
dos desvirtuamentos, é justamente garantir ao cooperado esses direitos, tais
como elencados nos arts. 7º e 8º do projeto, que são como sua espinha
dorsal.
Por
outro lado, os princípios básicos que regem uma cooperativa de trabalho, e que
eram maculados pelas falsas cooperativas, tais como seu surgimento espontâneo da
vontade dos trabalhadores, e não criadas pelas empresas, bem como a autogestão e
liberdade de filiação, ficaram estampados no art. 3º do projeto.
Nesse sentido, terão o Ministério Público e a Justiça do Trabalho
os parâmetros legais concretos para separar o joio do trigo, sem preconceitos ou
voluntarismos. As regras, agora, são claras.
É
de se louvar o empenho de figuras exponenciais como o Professor Paul Singer,
Secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, e Rosany Holler,
Vice-Presidente da OCB na época da maturação do projeto, que acreditaram numa
organização laboral que valoriza o homem como gestor de seus negócios e
empreendedor em associação com outros trabalhadores, para oferecer à sociedade
bens e serviços de que ela necessita (art. 4º, I e II).
A
nova lei virá resgatar, em nosso país, a grandeza e beleza dessa modalidade
organizativa laboral, que prestigia o trabalhador como dono de seu próprio
negócio, em regime de solidariedade e coordenação de esforços, visando sua
colocação no mercado, o sustento de suas famílias e o bem de toda a sociedade.
Auguramos um futuro promissor às novas cooperativas de trabalho sob o pálio da
nova lei.