segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cooperativismo

Aglutinações entre cooperativas: uma salutar e tempestiva alternativa!

Decorrência do processo de internacionalização da economia e do acirramento da concorrência interna, o mercado financeiro nacional já há algum tempo vem colocando em prática a fórmula do crescimento por aquisições, ao lado da expansão orgânica. A iniciativa, como se sabe, em termos mais globais, visa ao fortalecimento das instituições para o concurso – ou mesmo a simples sobrevivência – em cenário de altíssima competição.
 
Os efeitos – sendo alguns imediatos e outros mediatos – mais visíveis dos processos de incorporações são a redução de custos, pela diminuição do corpo diretivo/de comando e também das estruturas de retaguarda, e o ganho de escala, representado pelo fortalecimento dos limites técnicos e pela ampliação do número e valor das operações. Assim, os preços das soluções podem ser ajustados, melhorando as condições comerciais. Em resumo, significa aumento de produtividade, segundo a consagrada fórmula de Taylor: E=P/H.
 
No cooperativismo de crédito, diferente não é. O setor está inserido nesse contexto, e de acordo com ele há que se conduzir, mesmo porque à sua volta estão concorrentes de peso. As entidades cooperativas precisam, portanto, seguir os passos de entidades coirmãs da Europa (Alemanha, Holanda, França, entre outros países) e da América do Norte (EUA e, especialmente, Canadá) e também dos concorrentes domésticos, que compõem o sistema bancário convencional. A propósito destes, as incorporações contribuíram fortemente para uma considerável e preocupante concentração de mercado. Os cinco maiores bancos do país já respondem por: cerca de 80% dos depósitos, empréstimos e ativos do sistema financeiro nacional (dados de 30-6-12).
 
Apesar da inquestionável procedência técnica da solução das incorporações, há no ambiente cooperativo alguns obstáculos que impedem uma maior vazão desse movimento, situados fora do plano institucional/organizacional. O desafio mais difícil, parece, é superar o apego aos interesses pessoais. Na hora “H”, quando se vai falar, por exemplo, sobre quem irá presidir ou ocupar as vagas nos conselhos e na diretoria e compor os principais cargos executivos da nova entidade, as objeções e dificuldades imediatamente se manifestam. Normal! Sabe-se que não é nada fácil abrir mão do status de dirigente, ou mesmo gerente, de uma instituição financeira, mormente em pequenas comunidades. A perda dessa condição equivale a “renunciar” aos inúmeros convites para participar, como líderes e homenageados, de eventos socioesportivo-culturais, ou de frequentar clubes e outros fóruns com forte apelo popular ou social.
 
É isso que, normalmente, faz com que a iniciativa fique apenas no plano do “discurso”, lembrando que é raro alguém, de princípio, manifestar-se contra tal providência.
 
Contudo, a bem de propósitos mais nobres, é preciso vencer os empecilhos de ordem não-institucional e negociar prerrogativas individuais, não convergentes com os interesses dos associados. Partir para a ação é o que se espera. Nesse sentido, até mesmo o BACEN vem empreendendo medidas de incentivo, entre elas a permissão para a convivência de associados de diferentes origens econômico-profissionais.
 
Com as uniões, de um lado, há sensível redução de despesas pela diminuição do número de conselheiros de administração e fiscais; de diretores, de contadores e de outros profissionais de retaguarda, além da economia com custos de observância (supervisão interna e externa – Bacen, auditoria independente, controles internos…), e, de outro, agregam-se solidez e credibilidade ao empreendimento, sem contar os ganhos em negócios pela realocação de colaboradores para a linha de frente.
 
Os dirigentes e gerentes que remanescem, normalmente os mais produtivos, conseguem transmitir suas estratégias vitoriosas aos novos colegas. Com um patrimônio mais substantivo, e limites operacionais mais generosos, as entidades conseguem captar mais recursos, inclusive de terceiros (bancos), emprestar mais e em maior volume e assim atender a um contingente mais representativo de associados, inclusive atraindo novos cooperados. Ao administrarem um volume mais significativo de recursos, isso combinado com a redução dos gastos com pessoal (o que diminui os custos fixos da entidade), as cooperativas conseguem operar com preços e tarifas menores nas suas soluções de crédito e de prestação de serviços, além de poderem remunerar melhor os investidores.
 
Pode até ocorrer que, num primeiro momento (transitoriamente) – considerando a circunstância de as cooperativas menores ostentarem melhor desempenho nos índices de eficiência –, os custos fixos, inclusive quando comparados aos ativos, se elevem um pouco. O acréscimo temporário justifica-se também pelo fato de o processo de transformação/reorganização, em si, reclamar, ocasionalmente, investimentos/gastos mais expressivos.
 
Importante, ainda, aduzir que a reunião de forças não significa solução de continuidade no atendimento às comunidades, pois haverá simples mudança de status nas dependências (de sede para “agência”). Isso é hoje possível porque as cooperativas, no geral, já adotam apresentação visual e marca padronizadas. Para os associados, portanto, não há qualquer diferença sob esse ângulo.
 
Além disso, com a prevalência do estilo de trabalho dos profissionais mais preparados e comprometidos, costuma melhorar em muito a qualidade da prestação de serviços aos associados e clientes. Essa nova filosofia de trabalho, mais empreendedora, combinada com a estrutura patrimonial mais densa, também faz com que se ampliem rapidamente os pontos de atendimento, explorando-se em maior dimensão a área de atuação estatutária, com o que mais pessoas e mais comunidades farão parte da cooperativa. Além disso, mais empregos serão criados.
 
Para conferir o êxito da associação de empreendimentos, basta comparar os números do “depois” (cooperativas unidas pela incorporação) e do “antes” (cooperativas atuando isoladamente). Muitos são os exemplos de iniciativas bem sucedidas. E, ainda que haja situações, remotas, em que a melhora não tenha sido tão representativa, é preciso ponderar sobre como se encontrariam essas entidades se mantivessem o caminho da singularidade/individualidade. Por certo, em muitos casos, o quadro seria de grande ou mesmo irreversível adversidade.
 
O ideal, para uma aglutinação harmônica, é que as tratativas e negociações se estabeleçam, enquanto as cooperativas estiverem numa situação “normal”/equivalente (como no casamento: quando os pretendentes são jovens, bonitos e sadios, a união é desejada, tranquila, descontraída, equilibrada…). É sempre traumático o processo de aglutinação entre uma cooperativa “sadia” e outra que esteja em situação de desiquilíbrio econômico-financeiro. Esta, invariavelmente, fica em posição de inferioridade, tendo que se submeter às condições da cooperativa incorporadora. O papel das centrais, aqui, é fundamental, cumprindo monitorar as filiadas de perto, antevendo a “curva descendente” e tomando medidas preventivas para evitar a descontinuidade dos empreendimentos.
 
Muito mais que uma necessidade, as uniões devem ser vistas como uma oportunidade de fortalecimento das cooperativas envolvidas. Os receios relacionados à dispensa de pessoas devem ser deixados de lado, pois os bons profissionais têm cadeira cativa, especialmente considerando que o setor deverá manter forte ritmo de crescimento por muito tempo. Da mesma forma, a preocupação com o tamanho excessivo das cooperativas, que sugeriria distanciamento dos sócios, é algo que não se justifica. Para manter a proximidade com os associados, basta estruturar mecanismo de nucleação do quadro social e instituir o modelo de assembleia por delegados. Adicionalmente, com a adequada representação das comunidades no conselho de administração da cooperativa, deve-se buscar um maior ativismo para os conselheiros, de modo que atuem mais intensivamente nas suas áreas de origem. É muito provável que o relacionamento com os cooperados melhore nesses termos.
 
O que vale para as cooperativas de crédito singulares, em boa medida, aplica-se também às cooperativas centrais. Com efeito, há inúmeras razões a justificarem a redução da quantidade de entidades de segundo piso atualmente existentes, de um lado pela desnecessidade de estruturas duplicadas num mesmo estado ou numa mesma região, e, de outro, pela incapacidade de pequenas centrais darem as respostas pretendidas pelas cooperativas nelas representadas. Aliás, a melhor motivação para as cooperativas singulares intensificarem as unificações seria o exemplo a ser dado pelas respectivas centrais. Nesse âmbito, há de se louvar recente decisão pela unificação – já concretizada – das cooperativas centrais do Paraná e de São Paulo, ligadas ao Sistema Sicredi.
 
Já numa perspectiva intersistêmica, a medida pode/deve, no futuro – em 5, 10 ou 15 anos… –, alcançar as confederações, os bancos cooperativos e as empresas especializadas a serviço dos sistemas! Nesse âmbito, por sinal, a unificação ou associação, ainda que parcial, promoveria ganhos de escala consideráveis. Tomando-se como exemplo os investimentos em tecnologia de cada sistema, tem-se que são gastos, no total, cerca de R$ 500 milhões anuais. Se esse valor fosse aplicado em uma única base de dados, poder-se-ia, em poucos anos, construir uma das melhores tecnologias do país.
 
Aqui, as dificuldades de avanço e os desafios a serem superados serão os mesmos que atualmente dificultam o progresso mais acelerado em sede de cooperativas singulares. Contudo, considerando que para o conjunto dos associados a medida é mais do que óbvia, e seria muito bem-vinda, o tema precisa ficar ativo na agenda estratégica do setor.
 
Por fim, como argumento de reforço a atitudes mais efetivas nesse particular, há de se invocar o 6o princípio universal do cooperativismo, que proclama a intercooperação ou a cooperação entre cooperativas.

”Dirigir uma organização não é vê-la como ela é, mas como ela será.” (John W.Teets)

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Ênio Meinem  advogado; pós-graduado em direito e em gestão estratégica de pessoas; autor de vários livros sobre cooperativismo de crédito – área na qual atua há 29 anos -, entre eles “O cooperativismo de crédito ontem, hoje e amanhã”. Atualmente, é diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob).

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