Quando o PAC se transforma em programa de aceleração da pobreza          
Por Maria J. Costa, Afonso G. Galvão, Maria A. G. Carvalho*
Ao visitar as obras da transnordestina na região de Paulistana no 
Piauí, qualquer cidadão do mundo irá concluir que será imensurável os 
estragos sociais, culturais e agrícolas, gerados por essa obra. Quanto 
ao que trará de bom, será preciso antes de tudo perguntar para quem? O 
Piauí vem sendo considerado como uma fronteira pra mineração, com uma 
diversidade de minérios considerável, desde minério de ferro, diamantes,
 fósforo, níquel, mármore, calcário e argila. As pesquisas sobre esses 
minérios vêm sendo feitas a muito tempo, mas não bastava saber que havia
 minérios no estado que oscila entre 1º e 2º lugar na escala da pobreza 
nacional. Era necessário um governo popular e solidário para 
possibilitar a infraestrutura necessária para garantir a exploração 
dessa riqueza. O que as pesquisas não quiseram mostrar foram às inúmeras
 e seculares comunidades quilombolas existentes no percurso dessa obra.
A obra
As obras da transnordestina iniciaram em 2006, com um orçamento de 
4,5 bilhões para construção de 1728.km, interligando Eliseu Martins no 
PI aos portos de Suape-PE e Pecém-CE, devendo estar finalizada em 2010. A
 obra que geraria milhares de empregos diretos hoje emprega em torno de 2
 mil trabalhadores nos 3 estados e vai custar 7,5 bilhões. O seu maior 
custo será desempregar e desterritorializar dezenas de comunidades 
camponesas e quilombolas que garantem a produção de alimentos de parte 
da região semiárida. Além de Eliseu Martins, a Transnordestina também 
passa pelos municípios piauienses de Pavussú, Rio Grande do Piauí, 
Itaueira, Flores do Piauí, Pajeú do Piauí, Ribeira do Piauí, São José do
 Peixe, São Miguel do Fidalgo, Paes Landim, Simplício Mendes, Bela Vista
 do Piauí, Nova Santa Rita, Campo Alegre do Fidalgo, Paulistana, Betânia
 do Piauí, Curral Novo do Piauí e Simões.
A obra não irá interligar pessoas, culturas, saberes, experiências 
produtivas, até porque não serão transportadas pessoas, do contrário, 
está destruindo essa riqueza histórica que a muito custo comunidades e 
quilombos mantiveram, muitas vezes escondidas e vivenciadas nos recantos
 das caatingas, pois foi o que lhes sobrou na busca pela sobrevivência. 
Pensavam que ninguém os incomodaria nessas terras de carrascos de pedras
 com pequenas faixas de terra macia. Ledo engano, pois sob seus pés 
repousava o que a natureza produziu em milhões de anos e que agrada as 
transnacionais – minério = lucro=ganância.
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho é ignorada 
Visitando algumas comunidades é fácil concluir que houve um total 
desrespeito aos ditames da convenção 169 da Organização Internacional do
 Trabalho que trata de povos indígenas e tribais (incluídos nestes, as 
comunidades quilombolas), que em 1989 inscreve como necessária para 
qualquer ação do estado a) consulta prévia; b) determinação das 
consequências aos interesses das comunidades; c)participação nos 
benefícios gerados e d) indenizações plenas. Alem disso nenhuma medida 
adotada pode ser contraria ao desejo expressado livremente por essas 
comunidades e que esse desejo deve ser expressado através da consulta 
prévia, não cabendo ao estado ou empresas interpretar o que é prejuízo 
para as comunidades, mas que isso é uma decisão livre das próprias 
comunidades. Não podendo haver pressão, intimidação política ou qualquer
 tipo de ameaças externas e que as decisões das comunidades devem ser 
baseadas no conhecimento pleno daquilo que venha a lhes afetar. Sob pena
 de que, qualquer ocultamento de informações ou enganos por parte do 
estado ou empresas fará com que qualquer consentimento seja anulado 
posteriormente.
Exatamente por isso lideranças estão sendo chamadas a depor na 
delegacia de Paulistana, por ocuparem o canteiro de obras da Odebrech e 
questionarem as indenizações oferecidas as mesmas que vão de R$ 5,00 não
 sendo superior a R$ a 1.000,00, portanto é este o tratamento que vem 
sendo dado a quem tenta minimamente ver os seus direitos respeitados.
Seu Raimundo morador do quilombo Barro vermelho perderá 4,5 há de 
terras e está indignado, pois em 2010 estava fazendo um tratamento de 
vista em Petrolina e quando chegou encontrou suas cercas ao chão e a 
terra rasgada ao meio pela ferrovia. “tomaram minha terra de baixão, 
onde eu produzia meu sustento e criava meus bichinho. Destruíram meu 
barreiro de 20 caxis e 2 barraginhas e eles vem me oferecer R$ 276,60, 
eu não quero essa esmola”. O quilombo Barro Vermelho é reconhecido e 
titulado desde 2007 pela Fundação Palmares, nele todas as famílias foram
 atingidas, tendo suas casas e cisternas rachadas pela utilização da 
dinamite. “desde de 2010 que ninguém aqui tem sossego, aqui não se dorme
 nem didia nem dinoite, didia é as explosão e dinoite é o gerador”. 
Relata seu Edivaldo presidente da associação do quilombo.
Seu Nelson representa o caso mais emblemático da comunidade, com mais
 de 70 anos, ele irá perder mais ou menos um hectare de terras, chamado 
para uma reunião na cidade de Paulista, onde pagou R$ 7,00 pelo 
deslocamento, recebeu da empresa a proposta de R$ 5,00 a título de 
indenização.
Como seu Raimundo, seu Edilberto e seu Nelson tem centenas de 
famílias atingidas pela mineração e pela transnordestina. Só em 
Paulistana são 6 quilombos reconhecidos pela fundação Palmares e 
atingidos pela obra.
“Falta dinheiro pra manter nossas escola abertas, falta médico nos 
postos de saúde, e os homens da obra reclamam, dizendo que eles tem dado
 tudo aos quilombolas, o que mais nós queremos, e eu digo que eles estão
 tirando tudo de nós, até o sossego ” diz dona Jucélia liderança do 
quilombo Barro Vermelho, completa dizendo que “pra fechar as rachaduras 
das casas, eles dão o material e nós fazemos o serviço de graça pra 
eles, é uma humilhação”.
A indignação de dona Jucélia aumenta quando nos aponta a escola da comunidade fechada com o argumento de falta de dinheiro.
As percas são incalculáveis, até os animais que entram na área da 
ferrovia morrem em fossos que chegam a mais de 10 metros de profundidade
 e às vezes são jogados próximo das casas das famílias. A obra altera 
completamente o modo de vida e a liberdade das famílias e chega a 
cercear o direito de ir e vir. Famílias que anteriormente andavam 500 
metros para ir de sua casa até o roçado, agora terá de andar todos os 
dias 20 km, pois as cancelas para atravessar a ferrovia serão de 5 em 5 
km, o que compromete inclusive a continuidade da atividade agrícola, 
visto que poucos tem transportes para se deslocarem até as roças.
Enquanto as organizações sociais pautam nas suas reivindicações: 
Reforam Agrária popular, reconhecimento das áreas quilombolas e 
indígenas, minha casa minha vida, o programa 1 milhão de cisternas, o P1
 + 2 (1 terra 2 águas), o garantia safra, crédito subsidiado, educação 
do campo com escolas abertas nas comunidades. As grandes corporações 
transnacionais pautam no mesmo estado e no mesmo governo a retirada de 
nossas terras, a destruição de nossas casas e cisternas, o desrespeito 
das áreas tradicionais reconhecidas pelo mesmo estado, o que nos leva a 
afirmar que o estado está sempre a serviço da classe dominante – quem 
tem dinheiro – e o governo pode até não ser nosso inimigo, mas é muito 
amigo dos nossos inimigos.
Não será difícil concluir que com essa dualidade do governo 
brasileiro está garantida, para com os quilombolas, indígenas, sem terra
 e camponeses, a máquina de gerar miseráveis, já que o Brasil é um 
canteiro de obras do PAC. Sem consulta prévia, sem indenizações plenas, 
sem participação nos lucros da empresa, sem terras, sem cisternas, sem 
casas, sem escola, sem médico, sem dignidade, sem respeito, sem 
quilombos, sem, sem, sem nós. Brasil para quem?
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