segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Economia Solidária

Lixo se transforma em peça de luxo
 
Lixo se transforma em peça de luxo
 
Catadores de material reciclável da Cooperativa da Vila Emater (CoopVila) tiveram trabalho extra neste final de ano. Desde meados de outubro eles estão empenhados numa grande missão, talvez o maior desafio desde que saíram do lixão, em abril de 2010: transformar garrafas pet recolhidas do lixo pelo processo de coleta seletiva nos lustres e luminárias que vão fazer brilhar a ornamentação luxuosa do Réveillon Absoluto, uma das festas que reúnem a elite alagoana na entrada o ano novo.

Desde que eles começaram, há dois meses, cerca de 2.500 garrafas pet já passaram pelas mãos calejadas dos catadores, em processos diversos da produção, que envolve desde a coleta do material, que vai se amontoando na nova sede da CoopVila – próximo ao antigo lixão – para ser separado. Apenas as garrafas brancas, de refrigerantes, servem para esse trabalho.

No processo seguinte, elas são cortadas ao meio, para facilitar a lavagem, e são higienizadas. Para garantir o material limpinho, Eurides Caetano, 64 anos, tem trabalhado cerca de 10 horas por dia – das 7 às 17 horas – ao lado de outros cooperados, que se debruçam sobre o tonel de água onde o material é lavado. “Mas é um trabalho bom, diferente do lixão. Aqui, a gente pode trabalhar sentada, na sombra, e essa encomenda enche a gente de esperança que as coisas melhorem”, diz ela.

Outras mãos se encarregam de levar as caixas com as garrafas limpas para as etapas de produção, que envolvem outras quatro pessoas.

Cooperados comemoram mudança de vida

Na CoopVila, o ritmo é acelerado e não há tempo para muita conversa. Os dias passam rápido e os cooperados sabem que cumprir os prazos é fundamental para conquistar a freguesia, que já é reincidente – eles também foram contratados para produzir peças para a ornamentação do show dos Paralamas, há poucos meses.

Para o Réveillon Absoluto, as últimas peças da encomenda estavam prometidas para serem entregues até a última sexta-feira. Com a ajuda do pessoal do Centro de Educação Ambiental São Bartolomeu (Ceasb), que dá apoio à organização dos catadores, Eliene confere: “Ainda faltam 55 tiras para terminar”, dizia ela, na terça-feira, com a mão na massa, cortando, amarrando, criando. Todas as partes da garrafa são utilizadas, cada uma para um desenho diferente. E a sobra dos cortes, segundo Eliene, entra nos lotes de venda para a indústria de reciclagem.

Tanto trabalho, para os cooperados da CoopVila, é uma alegria. “Sofremos com o fechamento do lixão, porque a gente não estava preparada. Mas a nossa vida melhorou. O dinheiro ainda é muito pouco, mas aqui temos mais condições de trabalho, mais dignidade”, reflete Eliene.

Capacitações orientam sobre como aproveitar melhor os materiais

Os catadores da Vila Emater já tivemos algumas capacitações sobre o que pode ser feito para tirar melhor proveito do material recolhido em benefício de uma renda melhor, mas o processo ainda não decolou como eles gostariam que acontecesse, de forma a garantir pelo menos um salário mínimo mensal para cada um. Mas eles também aprenderam a ter paciência, e esse foi um ensinamento no processo de organização da cooperativa. “A gente vai aprendendo e crescendo”, diz Geraldo Soares.

Mas a vida mudou para muitos, principalmente em outros aspectos do conhecimento. Desde que saiu do lixão e começou o trabalho de coleta seletiva na cooperativa, Eliene Silva já viajou de avião e conheceu vários Estados e muita gente, do Brasil inteiro, em processos de capacitação e troca de experiências. Apesar da vida dura e do pouco dinheiro, ela se considera uma privilegiada, cheia de sonhos. “Ainda quero muita coisa na vida. Mas o meu maior sonho é que a cooperativa se fortaleça, gere mais renda e cresça, para que todos aqui tenham uma vida digna e para abrir espaço para receber mais gente. Tem muitas pessoas precisando”.

De margarida à educadora
Dos benefícios da reciclagem, todo mundo já ouviu falar, embora o universo de pessoas que colocam em prática ainda seja imensamente menor do que o aumento da quantidade de resíduos gerados pela população, e muita coisa que poderia ser reaproveitada acaba amontoando os lixões e saturando os aterros sanitários por todo o mundo, como bem disse o catador Geraldo Soares.

Mas a transformação do que seria lixo em novos objetos ganha cada dia novos adeptos e novas ideias que impulsionam a criatividade de antigos e novos artistas – seja em árvores e adornos natalinos ou em peças decorativas e utilitárias, em qualquer época do ano. E isso também tem transformado vidas, como a da educadora ambiental Cícera Cirilo, que descobriu, no tempo em que varria ruas, como margarida da antiga Cobel, há mais de 10 anos, “que havia no lixo muito mais do que lixo”, como ela mesma diz.

Pobre, com três filhos para criar, mas muito criativa e artista autodidata, Cícera começou a recolher o material que encontrava na varrição da rua e a produzir peças de decoração para sua casa e, principalmente, na decoração das festas de aniversário dos filhos, para baratear os custos. “Era tudo de material reciclado, porque ficava muito barato. E como eu caprichava, as pessoas viam e gostavam, e começaram a contratar”. Era o dinheiro extra que ela precisava para ajudar a superar as dificuldades financeiras da época.

Crianças aprendem a reciclar na escola

Aluna do 4º ano do Ensino Fundamental, na escola Eunice Weawer, Beatriz Moraes de Araújo já aprendeu uma das mais importantes lições da escola e diz que reproduziu para toda a família: reciclar pode ser produtivo e rentável, mas o maior ganho é para o meio ambiente e, em consequência, para todos os seres. E aprendeu que pode ter pufes, bonecas, enfeites e até árvore de Natal, tudo feito com as garrafas pet que muita gente descarta.

“Lá em casa, quando a gente toma refrigerante, a garrafa não vai mais para o lixo. Todo mundo já sabe que tem de lavar para eu trazer para a escola. Aqui a gente recicla, transforma em arte, e não suja o meio ambiente”, diz a esperta garota.

Fonte: GAzeta de Alagoas em 19/12/2011

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